PEQUENAS E GRANDES MALDIÇÕES

    Frequentemente vemos por aí, nas páginas e comunidades sobre futebol, aquela típica frase clichê, dizendo que "não é só futebol". Bem, também digo que esse esporte não é só uma atividade, mas também é um elemento de nossa cultura, que nos faz sentir amor, raiva, tristeza ou felicidade. E é justamente por sua veia popular e esse misto de emoções que ele incorpora crenças e credos da nossa vida cotidiana.

    Falo aqui do conceito de maldição, tão falado no nosso dia a dia como sinônimo de algo ruim, que nos impede de concretizar um objetivo. Por isso é comum ouvirmos de uma pessoa algo como: "nossa, você não consegue mesmo parar de beber, isso parece uma maldição!". Pois é, sendo o futebol um esporte de massa, e que reflete a nossa sociedade, tal termo não poderia ficar de fora do universo futebolístico.

    E no futebol brasileiro, uma maldição chama a atenção. Imagine seu time do coração, dono de uma grande torcida e um dos maiores de seu estado, passar oito anos seguidos na Série C, só conseguindo sair dela na última tentativa, além de bater na trave por quatro vezes, inclusive em três anos consecutivos. Além disso, esse clube foi eliminado por equipes menores na maioria das vezes, não fazendo valer sua grandeza, camisa ou prestígio. Pois foi isso que o Fortaleza viveu na última década, passando o período de 2010 a 2017 na terceira divisão do futebol nacional. É para matar qualquer torcedor do coração!

    O martírio do clube cearense na Série C começou em 2010, depois de uma grande decadência da equipe com o rebaixamento na Série A em 2006. Mesmo campeão estadual, o Tricolor não fez uma grande campanha na terceirona, parando na primeira fase, embora tenha feito ficado invicto. No ano seguinte, o desempenho foi novamente ruim, com o Fortaleza terminando na 4ª posição num grupo com cinco equipes, além de ter a mesma pontuação do último colocado. Nessa altura, ninguém suspeitava do que viria a acontecer nos próximos anos, de tão improvável que poderia ser.

    Em 2012, o Leão chegou mostrando quem é que manda na Série C, fazendo uma maravilhosa campanha na primeira fase, com 39 pontos conquistados. Mas aí, na hora do vamos ver, acabou eliminado pelo Oeste, justamente quando não podia, pois aquela era a fase decisiva, quem passava garantia o acesso. O impacto daquela temporada de fracasso foi tamanho que, no ano seguinte, o Fortaleza nem sequer conseguiu passar da fase inicial, ficando com um ponto a menos que os primeiros colocados.

    Para o torcedor tricolor daquele tempo, parecia que o seu time iria mesmo ficar na terceirona, se acostumando com aquela divisão tão injusta, sem glamour e com pouca qualidade técnica. Com quatro anos seguidos na Série C, o Fortaleza parecia estar mesmo virando time de terceira. E isso se confirmou por mais quatro anos. Em 2014, ano da Copa, o Fortaleza novamente foi líder de seu grupo, como há 2 anos, e repetindo 2012, acabou eliminado por um azarão na hora decisiva. E agora foi ainda mais traumático, pois o Macaé, seu algoz da vez, passou apenas pelo injusto critério do gol fora.

    Buscando passar na marra, o Fortaleza embalou dois anos de título cearense em 2015 e 2016, liderando seu grupo na fase inicial nas duas temporadas. Mas como já estava virando um trauma, quase um karma, o Tricolor novamente caía nas quartas de final, vendo Brasil de Pelotas e Juventude, respectivamente, comemorando o acesso em sua casa. Se antes estava desacreditado, o torcedor do Leão já estava revoltado àquela altura, pois por melhor que o trabalho fosse feito, o time sempre era eliminado quando não podia.

    Para quebrar esse estigma, quase uma praga dos torcedores rivais, o Fortaleza veio para 2017 disposto a enterrar esse assunto de vez. Treinado por Antônio Carlos Zago, sua campanha na fase inicial não foi a maravilha como nos outros anos, terminando em 3°, com 27 pontos, mas o time mostrou foco e concentração nas horas decisivas, conquistando o acesso. No mata-mata decisivo, contra o Tupi, o Fortaleza foi melhor, fazendo 2 a 0 no Castelão, levando uma boa vantagem para o jogo da volta. Em Juiz de Fora, o Tricolor teve a frieza necessária para segurar uma derrota por 1 a 0 e, oito anos depois, voltar para a segunda divisão. O resto vocês já sabem: o time, comandado agora por Rogério Ceni, fez grande campanha na Série B, conquistando a vaga na Série A e permanecendo pelo menos uma temporada. Hoje, embora esteja brigando contra o descenso, o time cearense é organizado financeiramente, e tem tudo para se manter.

    A título de curiosidade, vejamos qual a escalação do Fortaleza naquele jogo de ida contra o Tupi em 2017:

Marcelo Boeck; Felipe, Adalberto, Ligger e Bruno Melo; Anderson Uchôa, Pablo e Leandro Lima (Vinicius Pacheco); Everton (Ronny), Hiago e Lúcio Flávio (Paulo Sérgio). Técnico: Antônio Carlos Zago.

    A maldição do Leão morreu em 2017, mas nesse 2021 temos outro clube querendo quebrar a escrita de fracassos. Afundado na Série D, o simpático América de Natal, que foi tema de postagem no blog recentemente, vive situação similar a do Fortaleza, sendo praticamente um estagiário no quesito maldição.

    Em 2017, depois de amargar um rebaixamento no ano anterior, o América estreou na Série D fazendo uma boa campanha, passando como líder num grupo com Jacobina, Sergipe e Murici. Os 15 pontos conquistados logo de cara deram ao clube potiguar a condição de líder geral, preparando o terreno para adversários menos difíceis. Entretanto, na prática não foi tão fácil, mas o clube conseguiu chegar nas quartas de final mantendo sua condição de líder. Só que aí, numa dessas peças que o futebol prega, o América foi eliminado pelo Juazeirense, dono da pior campanha entre os classificados, perdendo por 3 a 0 na ida e empatando por 1 a 1 no jogo de volta. Uma eliminação para castigar o torcedor, no mais perfeito estilo da "bola pune".

    No ano seguinte, os potiguares conquistaram a liderança de seu grupo novamente (alguma semelhança com o caso do Fortaleza?), mas o clube caiu logo na segunda fase para o Imperatriz, que havia passado em sua chave na fase anterior. Para traumatizar ainda mais, a eliminação foi nos pênaltis, tirando o sonho da Série C. Mais um ano para o torcedor do América na quarta divisão!

    2019 chegou e com ele veio a Série C, e novamente o América foi líder absoluto de seu grupo. Para dar ainda mais confiança à torcida, o time teve goleadas incríveis, marcando 8 a 0 e 6 a 0 no desconhecido Serrano e 4 a 0 no América Pernambucano. Na fase seguinte, o mesmo xará de Pernambuco foi o rival, mas o América de Natal acabou passando. Só que na terceira fase, a última antes do mata-mata decisivo, veio a queda para o Juazeirense, implantando a maldição na cabeça do torcedor.

    Guiado pelo ídolo Paulinho Kobayashi para a temporada 2020, o América fez mais uma boa campanha, liderando sua chave com folga, além de golear Coruripe e Galvez posteriormente. No confronto contra o Floresta, na hora da decisão, veio mais um fracasso, estampado pela derrota por 2 a 0 no jogo de ida, somado ao 1 a 1 do jogo de volta. Mais uma desilusão para o torcedor potiguar, que já não sabe o que é comemorar uma felicidade a nível nacional. E a julgar pelo martírio que viveu o Fortaleza, o América não deve se salvar do limbo tão cedo.

Em tempo:

_ Enquanto o futebol cearense vive fase de exaltação, com seus dois clubes estando na Série A, o futebol potiguar vive momento de decadência, já que seus dois expoentes, os tradicionais ABC e América, amargam a Série D. Haja luta para sair daí!

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