1972: A ESTREANTE CONSTELAÇÃO ALEMÃ

    
Logo da Euro 1972.

    No futebol, não é só a qualidade técnica que faz um time. Também é necessário um bom conjunto, com organização tática dos jogadores e uma boa força mental, para que eles saibam lidar com situações adversas. Um bom exemplo é o Real Madrid da década de 2000, que cansava de montar grandes esquadrões mas não tinha um conjunto realmente efetivo. É sobre um time recheado de craques que falaremos hoje, montado sobre uma sólida base que geraria muitos frutos. Foi com jogadores da estirpe de Hoeness, Heynckes, Meier e Netzer, além dos espetaculares Müller e Beckenbauer, que a Alemanha atingiu o topo da Europa, preparando o terreno para a conquista mundial dois anos depois. É hora de relembrar!

Formato consagrado

    A quarta edição do torneio manteve número parecido de interessados, com 32 equipes jogando as eliminatórias divididas em 8 grupos de 4. Dessa vez, os grupos foram mais bem sorteados, sem as coincidências bizarras de britânicos na mesma chave, como na edição anterior. Conhecidos os grupos em 1970, a perspectiva era de muita disputa, já que apenas o líder de cada chave avançaria para as quartas de final.

    O grupo 1 colocou a tradicional Tchecoslováquia em um grupo com Romênia, Finlândia e País de Gales. Os tchecos caíram cedo, ultrapassados pela boa e surpreendente Romênia. Mircea Lucescu, atual técnico do Dynamo de Kiev, brilhou, levando a sua seleção romena a uma suada liderança no saldo de gols contra a Tchecoslováquia. No grupo 2, quem se deu bem foi a Hungria, mesmo sem mostrar o mínimo resquício do bom futebol dos magiares das décadas de 50 e 60. Impulsionado por Bene, já citado aqui no post sobre a Euro 64, os húngaros deixaram Bulgária, Noruega e a fraca França para trás.

    Por sua vez, a Inglaterra foi soberana em seu grupo, fazendo uma campanha invicta. Também pudera, já que o sorteio foi bem amigo, colocando-a junto de Suíça, um time médio, e das fracas Grécia e Malta. Com Martin Chivers e Geoff Hurst em polvorosa, o English Team passou tranquilamente. A União Soviética também foi uma das invictas, passando com folga na chave 4, vencendo Chipre (duas vezes), Espanha e Irlanda do Norte, conquistando a classificação e mostrando que os soviéticos ainda eram bem fortes no continente. Nas duas últimas rodadas, a URSS conseguiu dois empates fora de casa quando já não era mais preciso vencer.

    Portugal novamente decepcionou em uma prévia de Euro. Mesmo com Eusébio entre os jogadores, Portugal foi mal, eliminada na fase de grupos com uma campanha irregular nos seis jogos. Quem acabou passando foi a Bélgica, futura sede do torneio final. Já a Itália, atual campeã europeia, foi novamente forte, passando invicta mantendo a base anterior, inclusive com o técnico Ferrucio Valcareggi.

    O grupo 7 era da Holanda, que tinha vários jogadores de Ajax e Feyenoord, campeões europeus recentemente. Apesar de machucado, Cruyff era o centro técnico e também artilheiro da equipe, marcando 5 gols nas eliminatórias. Pena para ele que quem avançou foi a Iugoslávia, com três vitórias e três empates. Por fim, no grupo 8, a Alemanha passou com tranquilidade por Polônia, Turquia e Albânia, voltando sua atenção para a fase seguinte, as quartas de final. Autor de seis gols na fase de grupos, o atarracado Gerd Müller era o cara daquela seleção alemã.

Maldição dos atuais campeões

    Era chegada a hora do vamos ver, quem passasse colocava os pés no torneio final. Em 29 de abril começou a fase quartas de final, e nenhum dos quatro jogos de ida teve final feliz para os mandantes. A começar pela Itália, que recebeu a Bélgica em um San Siro cheio naquela tarde. Mesmo debaixo de 63 mil torcedores, apoiando confiantes no bicampeonato, a Itália não conseguiu sair do zero com os belgas, ampliando as críticas para cima do técnico Valcareggi. Em Bruxelas, as coisas foram ainda piores, com uma derrota por 2 a 1, gols de Van Moer e Van Hinst.  No final do jogo, Riva fez o gol solitário dos italianos, que repetiram a Espanha de 68 como atuais campeãs eliminadas precocemente.

    O segundo duelo foi entre Hungria e Romênia, duas equipes equilibradas. Isso ficou ainda mais evidente pelos resultados de empate nos dois jogos, em Budapeste e em Bucareste. Para decidir a peleja, foi feito um jogo em sede neutra na cidade de Belgrado, que terminou com vitória húngara por 2 a 1. O empate persistiu quase o jogo inteiro, mas Szöke marcou o gol salvador da classificação no último minuto.

    Fechando o dia 29, o confronto mais esperado entre Inglaterra e Alemanha. Colocando em prática todo seu poderio ofensivo, a Alemanha jogou muito bem, vencendo por 3 a 1 dentro de Wembley, no que foi a primeira derrota dos ingleses para os alemães em casa na história. Segundo o jornal The Observer, um time da Alemanha Ocidental jogando com graça e espírito e um compromisso absoluto com o ataque administrou a derrota mais completa já infligida à Inglaterra de Sir Alf Ramsey em seu próprio terreno". Os gols da grande vitória foram marcados por Hoeness, Netzer e Müller, calando a empáfia dos quase 100 mil presentes. A revanche por 66 estava feita.

Inglaterra x Alemanha em Wembley. Mesmo acossados pela torcida, os alemães saíram aclamados e vitoriosos.

    No jogo derradeiro, um choque entre as tradicionais Iugoslávia e União Soviética soltava faísca, reeditando inclusive a final da Euro de 1960. Mesmo com intensas renovações após a geração de ouro formada por Yashin, Ivanov e Ponedelnik, a URSS vinha forte, e confirmou o favoritismo com a classificação, empatando por 0 a 0 em Belgrado e vencendo por 3 a 0 em Moscou. A esperança era do bi, tentando a recuperação depois da perda do título em 64. Contra Hungria, Bélgica e Alemanha, a perspectiva de uma final entre soviéticos e alemães, lados tão opostos histórica e politicamente, era bem possível.

Sede neutra e torneio sem surpresas

    O torneio final foi marcado para ocorrer de 14 a 18 de junho na Bélgica, um país neutro em meio à situação caótica pelo ápice da Guerra Fria. Se na edição anterior foram três as sedes escolhidas, desta vez quatro estádios foram utilizados, mas em três cidades diferentes: o gigante Estádio Heysel e o Émile Versé em Bruxelas, o Estádio Maurice Dufrasne em Liége e o Bosuilstadion na Antuérpia. Ao contrário da Euro 68, desta vez os estreantes se enfrentaram logo de cara, com um Bélgica x Alemanha em Antwerp, enquanto os experientes Hungria e União Soviética duelariam na capital.

    As duas partidas estavam previstas para começar no mesmo horário. Em Antwerp, tivemos um jogo mais animado, com a Bélgica de Van Himst e a Alemanha de Beckenbauer. Sob vaias dos mais de 55 mil presentes, os alemães jogavam com seu clássico uniforme reserva verde, utilizando todos os seus craques entre os titulares. Apesar da vontade demonstrada pelos belgas, a Nationalelf dominou a partida, conseguindo marcar com ele, sempre ele, Gerd Müller aos 24 minutos, recebendo um cruzamento. No segundo tempo, o ''Torpedo'' ampliou em bola enfiada dentro da área. Os anfitriões ainda tentaram reagir, mas o gol tardio de Polleunis, aos 38 minutos, não foi suficiente para tirar aquela Alemanha da final.

Günter Netzer com a bola dominada contra os belgas.

    Na outra semifinal, Hungria e União Soviética fizeram um jogo pouco atrativo, com apenas 1600 pessoas nas arquibancadas. Podemos combinar que quem não foi nada perdeu, pois, segundo relatos da época, a partida foi de baixíssimo nível, com duas equipes mais interessadas em marcar, já que vinham decadentes depois de boas gerações. Durante os 90 minutos, Konkov marcou para a URSS com um chute de fora da área, e o goleirão Rudakov foi o herói da partida ao defender um pênalti.

    A expectativa era de uma grande final. A União Soviética vinha para sua terceira final em quatro edições da competição, com um vice e um título conquistados. Além disso, havia o fator revanche, já que a Alemanha goleara os soviéticos por 4 a 1 um mês antes do torneio, com Müller marcando os quatro gols da Nationalelf. Era ele a arma principal daquela seleção tão cheia de estrelas que assustava toda a Europa.

"Der Bomber"  torpedeia os soviéticos

    Um dia antes da finalíssima, estava marcada a decisão do terceiro lugar entre Bélgica e Hungria. Com um público modesto de 6 mil pessoas, os belgas garantiram a honrosa medalha de bronze vencendo por 2 a 1. Lambert e Van Himst fizeram dois gols num espaço de quatro minutos no primeiro tempo, mas o notável Lajos Kü diminuiu de pênalti. O terceiro lugar foi muito comemorado pela Bélgica, como se fosse um título.

    Na tarde de 18 de junho, os ânimos estavam acirrados para a grande final no velho Heysel em Bruxelas, com 43 mil torcedores. Sob a batuta de Helmut Schön, a Alemanha repetiu o time das semifinais, sabido praticamente de cor pelos torcedores: Meier; Höttges, Beckenbauer, Scwarzenbeck e Breitner; Wimmer, Hoeness e Netzer; Heynckes, Kremers e Müller. A União Soviética também jogou com os mesmos onze, mas sem craques, esboçava um futebol pouco brilhante ofensivamente, com um jogo pragmático na defesa.

    Em sua primeira final europeia, a Alemanha jogou muito bem, dominando os soviéticos sem conceder chances, praticando um estilo de jogo rápido e direto, trocando passes com velocidade. Beckenbauer tinha liberdade para sair de sua zaga e disparar rumo ao ataque, juntando-se à linha dos meias e colocando-se como mais um jogador perante a marcação soviética. Pelo volume de jogo que imprimia, o gol da Alemanha até demorou a sair, mas veio. Aos 27 minutos, aproveitando rebote do goleiro Rudakov em chute de Heynckes, Müller abriu o placar, mostrando oportunismo de um grande centroavante.

Müller pega a sobra e abre o placar para os alemães.

    O segundo tempo foi ainda melhor para a Alemanha, que ampliou logo aos 7 minutos, em chute cruzado de Wimmer e falha de Rudakov. Seis minutos depois, veio a última pá de terra no caixão soviético: em bela troca de passes na frente da área, a bola passou por Heynckes e Netzer antes de chegar a Müller, que sozinho e com o goleiro saindo, mostrou toda a sua categoria ao concluir de cavadinha, sem qualquer chance de defesa. Sob os olhares dos seis soviéticos que habitavam a área, o torpedo Gerd Müller saía comemorando o doblete.

    A vitória por 3 a 0 deu o primeiro título europeu à Alemanha, premiando aquela magnífica geração comandada por um técnico genial como Helmut Schön. Ele inclusive afirmou, em entrevista à UEFA, que o time de 72 era ainda melhor que o de 74, campeão da Copa do Mundo dois anos depois, quando derrotaria o mágico Carrossel Holandês. Discussões à parte, fato é que a equipe tinha um ótimo desempenho, colocando medo em qualquer adversário que enfrentasse.

Franz Beckenbauer e sua queridinha taça de campeão da Europa.

    Gerd Müller foi o grande nome daquela Eurocopa. Além de campeão exercendo papel fundamental na conquista, terminou como artilheiro da fase final e da fase de classificação, com 11 gols no total (4 durante o torneio na Bélgica e 7 nas eliminatórias), sendo o primeiro e único jogador a conseguir tal feito. O ano de 1972 também foi mágico para o atleta: entre clube e seleção, o camisa 13 marcou incríveis 85 gols, recorde superado somente em 2012 por Messi, autor de 91 bolas na rede. Era realmente impossível pará-lo no seu auge.

    E quem diria que até Helmut Schön desdenhou de Müller no começo. Então com 20 anos, o centroavante já se destacava no Bayern de Munique, mas não foi convocado para o Mundial de 66 porque, segundo o técnico, “ele é gordo, não é bom jogador, e faz gols por pura sorte”. Vendo que errara feio, até Schön teve que dar o braço a torcer futuramente.

    Na Euro, após o título alemão, era chegada a hora de a Holanda surgir entre os craques, mas certo time vermelho apareceu para ser uma pedra em seu caminho. Isso é assunto para o próximo post.

A grande final em vídeo da UEFA TV.



Tudo sobre a final nesse incrível vídeo do canal Memorias del Fútbol. Sigam que vale a pena.


E na próxima semana: 1976 - Vice atrás de vice.

    

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